O Anarco Monarquismo e Anarco Catolicismo de J. R. Tolkien
Como o catolicismo de Tolkien influenciou sua obra?
Como o catolicismo de Tolkien influenciou sua obra?
Mas
muitos fãs de Tolkien ficaram de queixo caído ao saber que ele, um
professor de Oxford e amante de cachimbo, era um devoto e fiel católico.
Como isso influenciou a sua obra?
Tolkien
– um homem de piedosa e forte fé e educação católica – impregnou sua
obra literária com a transcendência de sua fé cristã. Desconhecendo os
mecanismos alegóricos (ainda que alguns especialistas em seu trabalho
declarem o contrário), representou as verdades eternas que sustentam uma
boa compreensão do catolicismo (beleza, virtudes, ordem moral, a eterna
batalha entre o bem e o mal) em sua obra, de forma que a universalidade
destas verdades é mais do que evidente. No caso de “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis”,
mundos fantásticos e criaturas proporcionam um contexto no qual os
elementos da ontologia cristã podem ser desenvolvidos fora do marco
usual, o que reflete sua transcendência, bem como chegar a um público
que de outra maneira não encontraria tais verdades.
O romance “O Hobbit” – e sua continuação “O Senhor dos Anéis” – são obras que já passaram para a história da literatura fantástica
com nome próprio. Mas poucos dos seus fanáticos leitores sabem que o
autor, John Ronald Reuel Tolkien, era um católico convicto.
Hoje internacionalmente famoso como um
dos autores mais populares de todos os tempos, J. R. R. Tolkien
imaginou, em um primeiro momento, os hobbits – criaturas rurais e
pitorescas que habitam buracos subterrâneos muito confortáveis –
enquanto corrigia provas dos seus alunos durante o verão
em sua escura sala do campus. Ele considerava que o entediante trabalho
acadêmico era um horror e pegou esse emprego somente porque precisava
de dinheiro para manter sua família. Sua visão repentina de um hobbit
que ele desenhou na margem de uma prova se tornou um conto de aventuras
que foi publicado como “O Hobbit”.
O romance conta a viagem de Bilbo Bolseiro que, com reticência, abandona sua cômoda vida doméstica
para unir-se a um mago chamado Gandalf e a um grupo de anões em busca
da Montanha Solitária – eles lutam para recuperá-la das garras do
terrível dragão Smaug. Durante o romance, Bilbo vai crescendo, não de
forma física, mas espiritualmente. Muitas vezes desajeitado, mas sempre
com bom coração, Bilbo briga com trolls, trasgos e aranhas gigantes. Em um momento crucial,
nos profundos túneis abaixo das Montanhas Nubladas, Bilbo se envolve
numa luta contra Gollum, uma batalha de enigmas, da qual não somente
sobrevive, mas também encontra o anel de ouro que depois tem um papel
central em sua famosa sequela. Assim, antes de voltar para a sua casa da
Comarca, Bilbo se torna um herói com um forte propósito moral, com um
histórico de conquistas virtuosas, um tesouro e o agradecimento das
pessoas que vivem nas terras que ele ajuda a salvar.
A publicação da história de Bilbo
encantou uma geração de leitores e inspirou Tolkien a começar sua mais
ambiciosa obra, cuja elaboração durou muitos anos e produziu um mito
colossal: “O Senhor dos Anéis”. O romance, publicado originalmente em
três partes, deu-lhe um nome em seu mundo tranquilo da filologia e, como
aconteceu com Bilbo, isso lhe trouxe riqueza e renome no final dos seus
dias. O aplauso do público surpreendeu e gratificou Tolkien. A recepção
apaixonada de “O Hobbit” e de “O Senhor dos Anéis” elevou seu trabalho,
que ele sempre considerou um hobby um tanto extravagante, a um nível ao
qual poucos romances fantásticos puderam chegar.
Estes fatos relacionados a Tolkien são
mundialmente conhecidos. O que não se sabe é que esta ficção, de grande
atrativo, está impregnada da fé católica do autor. A surpresa vem de que
a palavra “católico” não aparece nas receitas da Terra Média, onde uma
religião institucional não existe. No entanto, como testemunhas da visão
de mundo do autor, estes romances expressam a imaginação católica de
Tolkien. O espírito dos romances, primeiro de forma implícita e depois
sob a sua direção artística sutil, está baseado em sua identidade e em
sua maneira de entender as verdades metafísicas.
Tolkien não era católico por
convenção ou simplesmente por cultura: a conversão da sua mãe supôs uma
ruptura familiar em uma época da Inglaterra em que o catolicismo era
frequentemente sinônimo de marginalização social.
A mãe de Tolkien, Mabel, se converteu ao
catolicismo e, por isso, sua família cortou relações com ela. Seu
marido, o pai de Tolkien, havia morrido de febre reumática na África do
Sul, onde o escritor nasceu, antes de ter podido se reunir com ela e com
seus dois filhos que estavam na Inglaterra visitando a família. Mabel e
seus filhos se viram reduzidos à pobreza pelo fato de sua família
protestante ter cortado relações com eles, mas ela suportou todos os
desafios da sua maternidade com santa dedicação.
Sobrecarregada de trabalho e isolada
devido à sua fé católica, ela morreu pouco depois da Primeira Comunhão
de Tolkien, mas não antes de confiar a tutela dos seus filhos a um
sacerdote amigo do Oratório de Birmingham, o Pe. Francis Morgan, que deu
continuidade à instrução das crianças na fé (participavam da Missa com
ele diariamente antes de ir ao colégio, por exemplo). Tolkien escreveu
mais tarde sobre sua mãe: “Minha própria mãe foi, sem dúvida, uma
mártir. Nem todos recebem de Deus o dom de ter uma mãe que sacrificou a
si mesma trabalhando para que Hilary e eu mantivéssemos a fé”.
Já adolescente, enamorou-se de Edith,
uma mulher protestante mais velha que ele, mas, a pedido do Pe. Morgan, a
quem era muito leal, prometeu não ter nenhum contato com ela até
cumprir 21 anos. No dia do seu aniversário, escreveu a Edith, pedindo-a
em casamento. Algum tempo antes de receber esta carta, Edith ficou noiva
de outro homem, mas seu amor a Tolkien se reavivou e ela rompeu o
noivado para estar com o pretendente que a havia conquistado
inicialmente. Em pouco tempo, Tolkien se casou com ela (que se converteu
o catolicismo para se casar com ele), tiveram 4 filhos e estiveram
unidos até o final dos seus dias. Seu romance está refletido na história
de Beren e Lúthien, dois grandes personagens da Terra Média cujos nomes
aparecem gravados em suas lápides em Wolvercote, Oxford.
Depois do seu casamento, sendo ainda
jovem, Tolkien lutou e sofreu as penúrias das trincheiras do Somme,
experimentando em primeira pessoa o pesadelo existencial que transformou
profundamente a fé vitoriana na civilização ocidental. Sobreviveu a
“todos, menos a um” dos seus amigos mais próximos, que serviram com ele –
incluindo seus colegas do clube “TCBS”, abreviatura do “Clube de Chá e
Sociedade Barroviana”, que, de alguma maneira, prefigurou o famoso
círculo literário conhecido como Inklings, e a guerra o comoveu
profundamente. Foi sua fé católica que o sustentou nesse tempo de
angústia física e emocional. Ferido durante a carnificina sem sentido
das trincheiras, voltou à Inglaterra, onde Edith o esperava, e retomou
sua brilhante carreira universitária, centrada no estudo da língua e da
mitologia – seus temas por excelência, a partir dos quais surgiu a
lenda. Foi durante esta época que Tolkien, que ia à Missa diariamente,
escreveu grande parte da sua ficção, incluindo “O Hobbit” e “O Senhor
dos Anéis”.
Ainda que Tolkien nunca tenha
tido a intenção de fazer de “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis” uma
alegoria da sua fé (como fizeram outros – por exemplo, seu amigo C. S.
Lewis), inevitavelmente sua fé e suas crenças se refletem no emaranhado
moral do seu universo fantástico.
Surge a pergunta: de que maneira o
catolicismo de Tolkien influenciou sua obra? Alguns céticos poderiam
questionar a premissa de que está por trás da pergunta. Depois de tudo,
diriam, a fé de Tolkien (muito importante em sua vida pessoal) não teve
um impacto direto em sua famosa obra. “Desagrada-me cordialmente a
alegoria em todas as suas afirmações – escreveu ele na introdução à 2ª
edição de ‘O Senhor dos Anéis’ – e sempre foi assim, desde que me tornei
velho e precavido como para detectar sua presença”.
Admitindo uma reconvenção imediata, os
céticos deveriam admitir que sua fé não requer uma representação
alegórica no romance. Os incrédulos poderiam argumentar que o seu
catolicismo é, quando muito, incidental na Terra Média, um contexto
pré-cristão predominantemente influenciado pelo mito nórdico e outras
fontes pagãs. Tolkien responde a estes céticos com suas próprias
palavras. Antes que “O Senhor dos Anéis” fosse publicado, escreveu uma
carta ao seu amigo, o sacerdote Robert Murray, na qual lhe dizia: “'O
Senhor dos Anéis' é, certamente, uma obra fundamentalmente religiosa e
católica, no começo inconscientemente, mas muito conscientemente em sua
revisão. Esta é a razão pela qual não coloquei ou tirei praticamente
todas as referências ao que pudesse parecer ‘religião’, cultos e
práticas nesse mundo imaginário – para que o elemento religioso fosse
absorvido na história e no simbolismo”.
Destacados católicos que ainda vivem
escreveram sobre a religiosidade de Tolkien em sua obra, incluindo
Stratford Caldecott, Joseph Pearce, Bradley Birzer, Peter Kreeft, Carol
Abromaitis, David Mills e Richard Purtill. Sem dúvida, como afirmaram
numerosos especialistas, Tolkien participou do renascimento católico na
literatura inglesa, unindo-se a G.K. Chesterton, Hilaire Belloc, Evelyn
Waugh, Graham Greene, Gerard Manley Hopkins, W.H. Auden e outras luzes
da fé. Às vezes separados por décadas e quilômetros, em uma continuidade
espiritual consciente ou inconsciente, eles utilizaram as palavras para
fazer uma defesa polivalente do que consideravam ser a beleza, a
bondade e a verdade, contra uma crescente cultura desumana e
desarraigada.
No entanto, Tolkien não foi um pregador.
Ao contrário do seu grande amigo C. S. Lewis – que se converteu ao
cristianismo em parte porque Tolkien o convenceu de que a Bíblia era o
único e verdadeiro mito –, ele desprezou a alegoria. Dizia que esta não
aparecia em nenhum lugar de “O Senhor dos Anéis”.
Liderando os antes mencionados Inklings,
Tolkien e Lewis compartilhavam o amor pela mitologia. Ao longo da sua
amizade, muitas vezes enquanto bebiam em um pub de Oxford chamado “The
Eagle and Child” (então conhecido como “The Bird and Baby”), os dois
professores conversavam sobre as obras que estavam escrevendo – livros
que depois transformariam o mundo. Mas sua amizade não evitava que
Tolkien criticasse o que ele chamava de “casa das feras mitológicas” das
“Crônicas de Nárnia”, a famosa série de romances cristãos alegóricos
(Lewis dizia que eram meramente análogos, mas isso era considerado
irrelevante, segundo a opinião de Tolkien, baseada nos seus padrões
literários).
Os críticos tentaram interpretar a
experiência de Tolkien nas duas Guerras Mundiais em suas obras,
especialmente em “O Senhor dos Anéis”. Por exemplo (e para consternação
do próprio Tolkien), muitos leitores consideravam que o Anel Único de
Sauron (o artefato maléfico que Bilbo toma de Gollum em “O Hobbit” e que
entrega ao seu sobrinho Frodo Bolseiro, confiando-lhe a sua destruição
no Monte do Destino, cravado nas profundezas escuras de Mordor – o mesmo
lugar em que o próprio Anel foi forjado) representava as armas de
destruição massiva, como a bomba atômica.
Sem dúvida, Tolkien estava descrente com
relação às noções modernas de progresso, não gostava das mudanças que
se dirigiam à violência mecanizada, aos terrenos baldios criados pela
industrialização, que havia destruído sua ordem natural. Sua declarada
política filosófica de anarco-monarquismo e sua disposição ao que ele
chamava de “distribuição agrária” são alternativas radicais para a
modernidade de hoje em dia. Ainda assim, ele rejeitou qualquer
interpretação alegórica de seu romance.
“Folha de Niggle”, uma interpretação
fascinante do purgatório, é a obra mais alegórica de toda a sua ficção.
No entanto, é incontestável que as convicções espirituais de Tolkien
estão presentes em seus livros. Os leitores, incluindo os católicos
estudantes, vinculam aspectos concretos dos seus romances ao
catolicismo. Entre os sinais mais evidentes, se não referências
alegóricas, mencionados frequentemente como símbolos da sua fé em “O
Senhor dos Anéis”, destacam-se:
- O Anel único como a Cruz e Frodo como representação de Cristo;
- A ressurreição em Gandalf o Branco e em Aragorn, que volta como rei;
- Também a Eucaristia, nas lembas curativas ou pão dos elfos.
Em sua carta ao Pe. Murray, Tolkien diz
do seu romance: “Penso saber exatamente o que quer dizer como a ordem da
Graça e, certamente, nas referências a Nossa Senhora, na qual se baseia
minha pequena e própria percepção da beleza unida à majestade e à
simplicidade”.
Ele também afirmou muitas vezes que seu
romance era mítico, e não um credo. Isso não quer dizer que “O Senhor
dos Anéis” não seja certo ou que a fé do seu autor não chegue a nós por
meio de suas páginas. Muito pelo contrário, como disse Tolkien certa
vez: “Ao criar um mito, praticando a 'mythopoeia', e enchendo o mundo de
elfos, dragões e trasgos... um narrador de histórias está cumprindo a
vontade de Deus e refletindo um fragmento da luz verdadeira”.
Fonte: Aleteia
Local: São Paulo
Link da pre-fonte:
Biografias de J.R. Tolkien:
interessante..
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